terça-feira, 14 de junho de 2011

Caminhos da Música (II Parte 1)

Do livro O Discurso dos Sons, de Nikolaus Harnoncourt,
tendo como sub-título Caminhos para uma nova compreensão musical, versão brazileira (Jorge Zahar Editor).


Ano 1984 - mas muitíssimo actual


Do capítulo Princípios Fundamentais da Música e da Interpretação, primeiro texto.




A música em nossa vida



Da Idade Média à Revolução Francesa, a música sempre foi um dos pilares da nossa cultur, da nossa vida. COMPREENDÊ-LA fazia parte da cultura geral.


Hoje, no entanto, ela tornou-se um simples ornamento que permite preencher noites vazias com idas a concertos ou óperas, organizar festividades públicas ou, quando ficamos em casa, com a ajuda dos aparelhos de som, espantar ou enriquecer o silêncio criado pela solidão. Donde o paradoxo: ouvimos, atualmente, muito mais música do que antes - quase ininterruptamente - mas esta, na práctica, representa bem pouco, possuindo não mais que uma mera função decorativa.


Os valores que os homens dos séculos precedentes respeitavam não nos parecem, hoje, importantes. Eles consagravam todas suas forças, todos seus esforços e todo seu amor a construir templos e catedrais, ao invés de dedicarem-se à máquina e ao conforto. O homem da nossa época dá mais valor a um automóvel ou a um avião do que a um violino, mais importância ao funcionamento de um aparelho electrônico do que a uma sinfonia. Pagamos preço bem alto por aquilo que nos parece cômodo, o indispensável; sem nos darmos conta, rejeitamos a intensidade da vida em troca da sedução enganadora do conforto - e aquilo que verdadeiramente perdemos, jamais recuperaremos.


Essa modificação radical da significação da música processou-se nesses últimos dois séculos com uma rapidez crescente. E ela fez-se acompanhar de uma mudança de atitude face à música contemporânea, aliás, face à arte em geral, porque, como a música era parte essencial da vida, ela tinha forçosamente que nascer do presente. Ela era língua viva do indizível e só os seus contemporâneos podiam compreendê-la. A música transformava o homem - tanto o ouvinte como o músico. Devia ser sempre criada com o novo, da mesma forma que os homens deviam construir para si novas moradas que correspondessem a um novo modo de existência, a uma nova modalidade de vida espiritual.


Da mesma forma, já não se era mais capaz de compreender, nem de utilizar a música antiga, aquela das gerações passadas; contentava-se, então, de admirar-lhe meramente a perfeição artística.

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"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves