quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Dos Opúsculos de A. Pimenta

Toda a acção do governo, é uma acção de violência, de imposição, de força. Governar é coordenar: coordena-se a bem quem obedece, coordena-se à força quem desobedece. Quem governa manda. E quem manda faz-se obedecer, primeiro, pela persuasão, depois, quando esta é impotente, pela força. Ou o poder reside num homem, ou num grupo de homens, ou numa multidão — a sua base essencial é essa, e não pode ser outra. Uma sociedade não é tanto mais perfeita e civilizada quanto mais cada indivíduo comparticipa do Poder, mas sim quanto mais conscientemente cada indivíduo obedece. A consciência do Dever, a consciência da Obediência, são estádio superiores de Civilização. Não é oportuno que desenvolva até às últimas consequências este conceito, porque não quero afastar-me do meu fim. Mesmo o que fica dito chega para o que tenho em mira.
Portanto, o regime normal é a violência? Quem a detém? Quem a exerce? Um homem? Uma assembleia? Um génio? O Número? Pouco importa, para o caso de saber o que é o governo.

Mas analisadas as consequências de exercer essa violência um homem ou uma Assembleia — nós podemos concluir pelas vantagens ou desvantagens da ditadura individual, pelas vantagens ou desvantagens da ditadura individual, pelas vantagens ou desvantagens da ditadura parlamentar.

A Ditadura individual é pessoal, responsável, contínua, finalista. Sei quem a exerce; sei quem devo julgar pelo bom ou mau resultado da sua acção; sei que não lhe encontro hesitações contraditórias, soluções de continuidade; sei o fim a que ela visa, o destino que a conduz. A ditadura parlamentar é impessoal, irresponsável, contraditória, cega. Quem a exerce é o Número, mas este não tem nome. A responsabilidade de uma assembleia é a irresponsabilidade dos indivíduos, por isso as obras das ditaduras parlamentares não admitem sanção. As opiniões da multidão, são flutuantes, quase instintivas, momentâneas, — donde a ondulação dos seus actos. Formada de elementos heterogéneos, uma assembleia não pode ter um fim uno. A acção do governo quer-se centralizada, e o órgão que a exercer quer-se simplificado.
Augusto Comte observava, com aquela superioridade que caracteriza todas as suas observações, que nunca os inferiores podiam escolher os superiores. Não se compreende que os governados, sem competência para as funções de governo, escolham os governantes. A admissão dessa escolha leva, em última análise, ao princípio incongruente de que são os governantes sem competência para as funções de governo quem governa. Se o princípio parlamentarista assenta na soberania da maioria, e como a incompetência é a maioria, acontece que é a incompetência quem triunfa, quem decide, quem governa. A representação das minorias nada resolve, pois, ao contrário do que muita gente afirma, entendo que da discussão, geralmente, sai mais treva do que luz. As discussões parlamentares são justas de palavrosos — e com palavrosos os povos caminham a estrada que o nosso tem caminhado. No entretanto, a verdade é a mistificação parlamentar entrou tanto no quadro dos vícios, irreprimíveis, que, à semelhança do que acontece com o jogo, será bom regulamentá-la. A regulamentação do parlamentarismo consistirá, assim, em conceder a capacidade eleitoral apenas aos que, presumivelmente, podem e sabem dispor do seu voto, e em restringir as funções parlamentares ao mínimo. A primeira medida contribuirá para a repressão da anarquia da Opinião Pública; a segunda, para a limitação da anarquia das esferas governativas.

Poucos têm insistido tanto, entre nós, em criticar a Democracia, por ela se basear no Número, como eu.

Sempre que posso, isto é, sempre que tenho pretexto para tal, chamo a atenção dos espíritos reflectidos para a absoluta sem razão que existe numa Doutrina que faz depender a verdade da opinião da maioria.
E digo que a verdade é independente do número dos que a professam, podendo estar na minoria, estando, mesmo, por via da regra, fora da maioria. É que não podendo ela ser, e não devendo ser resultante da inteligência média que aliás é uma quimera, mas sim das inteligências superiores, e não sendo estas nunca, em grande número, nos meios sociais, evidentemente que ou ela sai do reduzido grupo das inteligências superiores, e não é, portanto, obra da maioria, ou sai desta, por maioria ser, e representa a cooperação das inteligências inferiores.


Nas Democracias, porque o Número é a ultima ratio, acontece que a direcção da sua vida e a solução dos seus problemas cabem ao Anonimato, à irresponsabilidade, porque o Número, por definição, é anónimo, e, portanto, irresponsável.
.

A minha Lista de blogues

Seguidores

Arquivo do blogue

Acerca de mim

A minha foto
"(...) as leis não têm força contra os hábitos da nação; (...) só dos anos pode esperar-se o verdadeiro remédio, não se perdendo um instante em vigiar pela educação pública; porque, para mudar os costumes e os hábitos de uma nação, é necessário formar em certo modo uma nova geração, e inspirar-lhe novos princípios." - José Acúrsio das Neves